No dia 01/04/2021 foi publicada a lei 14.132/21 que acrescentou o art. 147-A ao Código Penal, para prever o crime de perseguição, também conhecido como stalking, e revogou o art. 65 da Lei das Contravenções Penais.
To stalk é um verbo do idioma inglês, que significa perseguir, vigiar. O Professor Damásio de Jesus, em seus clássicos livros de Direito Penal, já tratava sobre o tema. Afirmando que:
“Não é raro que alguém, por amor ou desamor, por vingança ou inveja ou por outro motivo qualquer, passe a perseguir uma pessoa com habitualidade incansável. Repetidas cartas apaixonadas, e-mails, telegramas, bilhetes, mensagens na secretária eletrônica, recados por interposta pessoa ou por meio de rádio ou jornal tornam um inferno a vida da vítima, causando-lhe, no mínimo, perturbação emocional. A isso dá-se o nome de stalking.
Stalking é uma forma de violência na qual o sujeito ativo invade a esfera de privacidade da vítima, repetindo incessantemente a mesma ação por maneiras e atos variados, empregando táticas e meios diversos: ligações nos telefones celular, residencial ou comercial, mensagens amorosas, telegramas, ramalhetes de flores, presentes não solicitados, assinaturas de revistas indesejáveis, recados em faixas afixadas nas proximidades da residência da vítima, permanência na saída da escola ou do trabalho, espera de sua passagem por determinado lugar, frequência no mesmo local de lazer, em supermercados etc. O stalker, às vezes, espalha boatos sobre a conduta profissional ou moral da vítima, divulga que é portadora de um mal grave, que foi demitida do emprego, que fugiu, que está vendendo sua residência, que perdeu dinheiro no jogo, que é procurada pela Polícia etc. Vai ganhando, com isso, poder psicológico sobre o sujeito passivo, como se fosse o controlador geral dos seus movimentos.”.
Atualmente é extremamente comum a prática de perseguição pelos meios digitais. Grande parte dos autores chama essa modalidade de perseguição de cyberstalking. Na internet, as formas mais comuns de cyberstalking, são: deixar comentários em excesso por e-mail, nos serviços de mensagens como WhatsApp e redes sociais da vítima, geralmente com teor obsessivo ou intimidatório.
Outras formas, segundo a ONG Safernet, são:
- Divulgar na web as informações pessoais da pessoa, incluindo nome e endereço completo;
- Invadir aparelhos eletrônicos para acessar contas pessoais;
- Preencher a caixa de entrada dos emails com spam;
- Enviar vírus ou outros programas nocivos aos computadores de suas vítimas.
Daí você deve estar pensando, perseguição, stalking, cyberstalking… Qual a conduta proibida por esse novo crime, e, qual a sanção penal aplicada no caso de descumprimento? O texto de lei prevê o tipo penal nos seguintes termos:
Art. 147-A. Perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade. Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
No novo tipo penal, temos a descrição da conduta em que o sujeito:
- Persegue a vítima. Para os doutrinadores que já se atreveram a escrever sobre o assunto essa perseguição pode ser presencial ou através da internet.
- Essa perseguição precisa ser reiteradamente, ou seja, exige habitualidade.
- E pode ser por qualquer meio, pela internet, por telefone, por carta, presencialmente, etc.
Sabe uma dica booooa para você ter uma percepção clara da intenção do legislador? Tem uma série no Netflix que se chama YOU, nele o personagem Joe Goldberg persegue a personagem Guinevere Beck, tanto na perspectiva presencial quanto na virtual. Assiste lá! Você vai entender o que eu tô falando! Não sou do tipo que dá spoiler…
O texto de lei exige também que seja praticado pelo menos uma de três condutas possíveis. Que São:
- ameaçar a integridade física ou psicológica da vítima;
- restringir a capacidade de locomoção da vítima;
- invadir ou perturbar, de qualquer forma, a esfera de liberdade ou privacidade da vítima.
Hum… posso ler sua mente se perguntando se na série há umas dessas três condutas. Acertei?! Já disse que não dou spoiler. 😉
A sanção penal estabelecida no art. 147-A do CP prevê reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa. Trata-se, portanto, de infração de menor potencial ofensivo, ou seja, aquelas penas para as quais a lei comine, no máximo, pena privativa de liberdade não superior a dois anos ou multa, sem exceção. Tendo, portanto, o autor direito, em tese, à: transação penal e suspensão condicional do processo.
Se liga no quadro resumo para guardar todas as informações mais importantes:
Depois de entender o tema é difícil acreditar que até hoje esse tipo de conduta não era crime. Não é mesmo? Mas vamos com calma nesse silogismo aí… a conduta não era crime, mas era contravenção!
Pois é. Antes da criação do crime do art. 147-A, a conduta era punida como contravenção penal pelo art. 65 do Decreto-lei 3.688/41, que tinha a seguinte redação:
Art. 65. Molestar alguém ou perturbar-lhe a tranquilidade, por acinte ou por motivo reprovável. Pena – prisão simples, de quinze dias a dois meses, ou multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis.
A Lei nº 14.132/2021 revogou a contravenção de molestamento (art. 65 do DL 3.688/41), punindo de forma mais grave a conduta acima estudada, que convenhamos, é grave, merece atenção do legislado, e pode trazer graves consequências psicológicas à vítima.
Agora que já estamos experts no art. 147-A do CP, vamos aprofundar um pouquinho? Vamos lá! Deixa te fazer uma pergunta. Pelo que estudamos até agora, os paparazzis, que perseguem as celebridades em busca de flagras, de furos de reportagens… Podem, ser acusados por esse tipo penal?
Para o Professor Rogério Sancges, sim. Se restar configurado que o paparazzi extrapola o trabalho normal, vai ao extremo, e promove uma perseguição reiterada sobre determinado artista, ameaçando a sua integridade física ou psicológica, restringindo a sua capacidade de locomoção ou invadindo/perturbando a sua esfera de liberdade ou privacidade.
“Com relação aos fotógrafos que perseguem celebridades e pessoas públicas para obterem imagens inéditas (paparazzi), a tendência é não reconhecer o crime quando o “alvo” está em local público. A figura criminosa, contudo, pode ser cogitada quando a conduta do paparazzi, reiteradamente, invadir ou perturbar a esfera de liberdade ou privacidade da celebridade ou pessoa pública.”
Contudo, há também quem defenda que o trabalho normal dos paparazzis de registrar celebridades que estejam em locais públicos, ainda que possa vir a ser inconveniente, não se amolda aos requisitos do tipo penal. O referido crime, em conformidade com o texto legal, prevê ainda as seguintes causas de aumento de pena:
A pena é aumentada de metade se o crime é cometido:
I – contra criança, adolescente ou idoso;
II – contra mulher por razões da condição de sexo feminino, nos termos do § 2º-A do art. 121 deste Código;
III – mediante concurso de 2 (duas) ou mais pessoas ou com o emprego de arma.
Por fim, o delito é crime de ação pública condicionada, ou seja, possui como legitimado ativo o Promotor de justiça, porém, possui como requisito de prosseguibilidade a apresentação da representação pela vítima, ou seu representante legal. Seguindo a mesma lógica do crime de ameaça (art. 147, parágrafo único, do CP). Nessa modalidade de ação penal, a vítima/ofendido tem o interesse de agir, o poder de decidir, se deseja dar início persecução penal contra o autor do crime. Quer uma última dica para fechar o clima de perseguição?! Ouça a música every breath you take da banda the police imaginando-a como uma declaração de amor real! Onde o autor dela efetivamente prática cada uma das condutas descritas na letra… arrepiou?! É bem por aí!
Beijos e até a próxima!
Referências:
JESUS, Damásio E. de. Stalking. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1655, 12 jan. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10846. Acesso em: 1 abr. 2021.
Site TILIT da UOL: https://www.uol.com.br/tilt/noticias/redacao/2021/04/01/curte-stalkear-pratica-agora-e-crime-e-pode-dar-tres-anos-de-prisao.htm acessado em 31/05/2021.
Site SAFER NET: https://new.safernet.org.br/content/ciberstalking acessado em 31/05/2021.
Quadro resumo extraído do site Dizer o Direito <https://www.dizerodireito.com.br/2021/04/lei-141322021-institui-o-crime-de.html> , em 10/05/2021.
Lei 14.132/21: Insere no Código Penal o art. 147-A para tipificar o crime de perseguição. Disponível em: <https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2021/04/01/lei-14-13221-insere-no-codigo-penal-o-art-147-para-tipificar-o-crime-de-perseguicao> acessado em 31/05/21.
Katiene Santana
Coordenadora da área de concentração em Direito Penal informático da CDTI-OAB/PE; Mestre em Perícia Forense pela UPE; Especialista em Direito Público; Advogada inscrita na OAB-PE nº 28.579; Professora Universitária e Pesquisadora voluntária no PlacaMãe.org.
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