Recentemente uma publicação nos chamou bastante atenção, dada a facilidade, que a proposta apresentava para a concretização de um tipo penal. O título da matéria, no site Canal Tech, era:
“App permite colocar o rosto de qualquer pessoa em vídeos pornográficos”
Antes de analisarmos os limites da proposta do App, deixa eu te apresentar o art. 216-B do código penal. Ele faz referência ao tipo penal intitulado de DA EXPOSIÇÃO DA INTIMIDADE SEXUAL
Registro não autorizado da intimidade sexual
Art. 216-B. Produzir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, conteúdo com cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo e privado sem autorização dos participantes: Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e multa.
No caput do tipo, o legislador procurou proteger a seguinte conduta:
O crime consiste em:
O agente
- produz (que pode ser criação ou financiamento)
- ou registra (fotografa, filma, grava, armazena o conteúdo, etc.)
- cena de nudez
- ou ato sexual ou libidinoso
- de caráter íntimo e privado
- sem autorização dos participantes.
O Professor Rogério Saches ao analisar o tipo penal, afirma que: “O tipo preenche a lacuna que existia em relação à punição da conduta de indivíduos que registravam a prática de atos sexuais entre terceiros. Foi grande a repercussão quando, em janeiro de 2018, um casal alugou um apartamento para passar alguns dias no litoral de São Paulo e, depois de se instalar, percebeu uma pequena luz atrás de um espelho que guarnecia o quarto. O inusitado sinal faz com que um deles vistoriasse o espelho e, espantado, descobrisse que ali havia uma câmera instalada. O equipamento foi imediatamente desligado e, logo em seguida, o casal recebeu uma ligação do proprietário do imóvel, que indagou se havia ocorrido algum problema, o que indicava que as imagens estavam sendo transmitidas em tempo real.
Embora se tratasse de conduta violadora da intimidade e que inequivocamente dava ensejo a indenização por danos morais, o ato – não tão incomum – de quem instalava um equipamento de gravação nas dependências de um imóvel para captar imagens íntimas sem o consentimento dos ocupantes não se subsumia a nenhum tipo penal. A partir de agora, é classificado como crime contra a dignidade sexual.”
- Bem jurídico protegido: A intimidade sexual da vítima.
- Sujeitos:Tanto o sujeito ativo como o sujeito passivo podem ser qualquer pessoa. Trata-se, portanto, de crime bicomum.
- Elemento subjetivo: É o dolo. Não se exige especial fim de agir. E, não admite modalidade culposa.
- Caráter íntimo e privado: A cena registrada deve ter sido praticada em caráter íntimo e privado. Se o agente filma um casal mantendo relações sexuais em um local público, por exemplo, não configura o crime. Ou seja, trata-se de fato atípico.
- Sem autorização dos participantes: Se há autorização, o fato é atípico, salvo em se tratando de crime envolvendo criança ou adolescente, situação na qual configura o crime do art. 240 do ECA. Cuidado com essa autorização, para não ser crime a autorização deve ter sido dada por TODOS os participantes. Se faltar a autorização de qualquer um dos envolvidos na cena do ato, haverá crime. Por exemplo: Imaginemos que “ A” irá manter relações sexuais com uma “B” que conheceu na festa. Ele autoriza que seu irmão ”C”, escondido, filme a cena. Ocorre que a “B” não autorizou o registro. Obviamente, nesse contexto, haverá o crime.
- Tentativa: É possível. Isso porque se trata de crime plurissubsistente. (Crime plurissubsistente é aquele no qual a execução pode ser fracionada em vários atos.)
- Princípio da especialidade: Faz-se necessário destacar que se o agente faz o registro indevido e posteriormente divulga a cena, deve responder pelos crimes dos artigos. 216-B e 218-C em concurso material:
Art. 218-C. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio – inclusive por meio de comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática -, fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o fato não constitui crime mais grave.
- Ação penal: Trata-se de crime de ação pública INCONDICIONADA. Ou seja, deve as autoridades policiais iniciarem a investigação, bem como o Ministério Público, se revestido de materialidade e autoria suficiente, dar início a ação penal apresentando a denúncia.
- Infração de menor potencial ofensivo: Trata-se de infração de menor potencial ofensiva, de forma que o rito é sumaríssimo (Lei nº 9.099/95), cabendo transação penal e suspensão condicional do processo.
Atenção ao parágrafo único, pois ele apresenta uma figura equiparada ao tipo penal do caput. Faz a leitura comigo!
Parágrafo único. Na mesma pena incorre quem realiza montagem em fotografia, vídeo, áudio ou qualquer outro registro com o fim de incluir pessoa em cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo.
Lembrou App que citei no início do texto?
Vamos detalhar esse crime…
- Em que consiste o crime? No caput, a cena registrada é verdadeira. No parágrafo único, por outro lado, a fotografia, vídeo ou áudio não é verdadeiro, é feita uma montagem, ou seja, foram acrescentados elementos que não ocorreram na realidade.Ex: o agente pega imagem de uma modelo nua e, por meio do programa de computador, fazendo uso de um App, troca o rosto da modelo pelo da vítima.
- Sujeitos: Tanto o sujeito ativo como o sujeito passivo podem ser qualquer pessoa. Trata-se, portanto, de crime bicomum.
- Elemento subjetivo: É o dolo. Não se exige especial fim de agir. Não se exige que o agente tenha feito isso para se vingar da vítima ou alguma outra motivação especial. Não admite modalidade culposa.
- Intuito de brincadeira: Perceba que o crime não possui elemento subjetivo específico, ou seja, o crime se consuma ainda que o agente tenha feito a montagem com o intuito apenas de diversão, com a intenção de “brincar” com a vítima.
Então, cuidado com os atos que são realizados no ambiente virtual. A lei existe para ser aplicada nos atos sociais praticados dentro e fora dela.
Gostou do texto? Foi útil para você? Compartilha com seus amigos.
Abraço e até a próxima!
Referências:
Site Canal Tech <https://canaltech.com.br/comportamento/app-permite-colocar-o-rosto-de-qualquer-pessoa-em-videos-pornograficos-107270/> Acessado em 29 de março de 2022
Site Meu Site Jurídico <https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2018/12/20/breves-comentarios-leis-13-76918-prisao-domiciliar-13-77118-feminicidio-e-13-77218-registro-nao-autorizado-de-nudez-ou-ato-sexual/>Acessado em 29 de março de 2022
Katiene Santana
Coordenadora da área de concentração em Direito Penal informático da CDTI-OAB/PE; Mestre em Perícia Forense pela UPE; Especialista em Direito Público; Advogada inscrita na OAB-PE nº 28.579; Professora Universitária e Pesquisadora voluntária no PlacaMãe.org.
Curtir
Compartilhar