20/04/2022 – Inteligência artificial
Queremos ser como China?

6:45. Estava retornando dos meus cinco quilômetros diários de corrida quando meu Smart Watch sinalizou: “Entrada regular de [nome] na escola.”

Como acabamos de mudar nosso filho para uma nova instituição de ensino, não esperava essa comunicação, e nem mesmo esse tipo de controle. Então fiquei curioso e só então descobri que eles usam biometria para controlar o acesso das crianças, sinalizando quando eles atravessam as catracas de acesso a área interna.

Seguro? Moderno? Inovador? Será?

Em primeiro lugar, posso afirmar que é ilegal. Sim, isso mesmo. Não é por querer dar um ar de proteção e cuidado com meu filho que o ato de coletar sua biometria, sem meu consentimento inequívoco, deixaria de constitui crime.

Por ele ser uma criança, sua imagem, impressões digitais e qualquer forma de identificação individualizadas é, pela Lei Geral de Proteção de Dados, considerada como dado sensível. O que equivale a dizer que precisa de um tratamento ainda mais especial do que o mero dado pessoal de um adulto. Mas a questão não para por aí.

Precisamos ser cauteloso quando se utiliza de riscos concretos – como no caso o de segurança – para implementar soluções aparentemente inocentes, porém com grande potencial para se tornar um problema a longo prazo. O que, neste caso em específico, se trata da formação de uma cultura do controle.

Muito se critica à China por todos os seus dispositivos de inteligência artificial voltados ao controle social, como câmeras em continuo reconhecimento facial, ranking pessoal com base no comportamento e assim sucessivamente. Entretanto, quando optamos, sem questionar, por permitir captura de biometria para acesso às escolas, da íris no caso de alguns condomínios, ou da face em certos bairros privados fechados; estamos afirmando que aceitamos o controle.

Da aceitação deste fato, ao de monitoramento contínuo nas ruas, será um pulo. O que se une ao mapeamento sobre você realizado por meio de soluções governamentais como o PiX e, no futuro, o Real Digital; ou mesmo o Open Bank e o Open Insurance.

Com dados, redes sociais foram capazes de mudar eleições, apenas estimulando, ou desestimulando, a participação, ou a escolha, do eleitor. Imagine governos com acesso a uma gama muito maior das suas informações.

Uma câmara ali, um sensor aqui, um dado pessoal inocentemente capturado acolá. Uma movimentação financeira num outro ponto, a informação histórica sobre seus problemas de saúde e mais pequenas capturas sobre você que não são percebidas. Um caminho e uma tendência que vão minando sua estranheza a esse tipo de intromissão, reduzindo sua resistência até o ponto em que o controle total se instala.

Então resista no que for possível, programando seu smartphone para não permitir ser rastreado por aplicativos, exigindo que a lei sobre proteção de dados seja implementada e não trocando informações sobre você por pseudos benefícios. Não forneça seu CPF desnecessariamente, nem assine consentimento sobre uso de dados pessoais sem optar por restringir o uso.

Garantir seu direito constitucional sobre seus dados não podem ser apenas delegados ao Estado, precisam ser buscado também por cada um de nós. Opor-se a cultura do controle exige um esforço, mas precisa ser buscado; afinal o que distingue uma sociedade democrática é a liberdade e, é justo esse ponto, que encontra-se em risco.

 

Paulo Christiano Tenório Sobral

Executivo e advogado, com título de Mestre em administração com foco em estratégia, MBA em marketing pelo Instituto Português de Administração e Marketing, especialização em finanças, controladoria, economia e negócios empresariais pela UFPE, com experiência em gestão de escritório de advocacia, grupo hospitalar, empresa de consultoria, passagem por multinacional, distribuidora, empreendimento próprio e desenvolvimento de Startup de Inteligência Artificial aplicada.

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