19/11/2020 –
Se a internet é das pessoas, o que estão fazendo com os nossos direitos, sentimentos e capacidades?

Quando me perguntam se eu amo a internet, sempre respondo que amo o que a internet pode me proporcionar, mas que isso não quer dizer que eu a ame. É diferente! A relação de interesse impera e, com certeza, não quero que isso mude.

O meio ambiente digital é cheio de armadilhas que me deixam alerta para que o meu uso seja o mais regrado, consciente e responsável possível. Mas isso sou eu. Você pode ser diferente. E aí é onde está o problema. Sedentos por educação digital (sim! Usar não significa saber usar) a população digital navega pela rede muitas vezes sem perceber as tais armadilhas que mencionei acima.  São sites, boletos, perfis, e-mail, fotos, jogos e notícias falsas… E se você acha que o adjetivo “falsas” se referiu unicamente a notícias, você se enganou. Ele pertence a todos os substantivos anteriores.

É curioso como perfis podem ser construídos a partir das nossas pegadas digitais. Gostos, vontades, desejos, leituras, notícias, cores, personagens preferidos, livros…. tudo devidamente organizado em categorias para que você se encaixe a partir das curtidas, acessos e paradas de mouse em determinados pontos da página. Mas você geralmente não sabe que está dentro de uma caixa. Esse é um efeito do que chamamos de desinformação, estado em que a pessoa ou a sociedade como um todo, está tão cheia de informações que o seu consumo se torna impossível, acarretando numa economia de atenção ou numa SFI – Síndrome  da Fadiga da Informação –  termo criado por Byung-Chul Han que o explica como uma enfermidade psíquica causada pelo excesso de informação. Vou dar atenção a qual informação? Qual desses links vou abrir? Abro todos? Quais postagens devo curtir, compartilhar e comentar? Todos? Mas se eu optar por todos não conseguirei dar conta. Eita! Ainda faltou ler aquele outro texto… Byung-Chul Han ainda diz que aqueles que sofrem da SFI apresentam “estupor crescente das capacidades analíticas”, “déficit de atenção” e uma “inquietude generalizada. Eu costumo dizer que a desinformação atinge primeiramente as pessoas para em seguida atingir as instituições. Ou melhor, a desinformação prepara as pessoas para aceitar o que as instituições criadoras de desinformação irão propor.

Já que fazemos parte de fluxos algorítmicos que nos colocam em caixas para que eles possam trabalhar melhor e atingir seus objetivos, como as instituições “donas” desses algoritmos estão utilizando essa informação? Por exemplo: Ao coletar a sua data de nascimento, gênero, nome completo e cidade de moradia, o que a empresa responsável pelo site de compras fará com esses dados? Será que dá para traçar um perfil de mulheres entre 20 e 30 anos que compram mais o vestido X na região Y no país? Em sendo possível, seria interessante aumentar o valor desse mesmo vestido nessa região? Para ficar ainda mais claro, será que todas as curtidas que você dá nas redes sociais para os seus candidatos podem significar um padrão para empresas como Facebook, Instagram etc.? Caso você só curta ou siga páginas da política de direita, você terá acesso (em sua timeline) a conteúdo da política de esquerda ou de centro? Provavelmente não. Isso é o que acontece quando somos colocados em “caixinhas” virtuais. Só que cada vez que isso acontece, você terá menos conhecimento sobre a sua oposição e, consequentemente, menos argumento para se manter na posição em que está.  O diálogo é necessário. Eu diria que essencial, mas nem sempre prestamos atenção em como ele vem sendo evitado e, por vezes, odiado pela população que insiste em ficar dentro da sua caixa. Isso é desinformação.

Então, ao promover a desinformação ou utilizar campanhas de desinformação numa sociedade a gente verifica, sem a menor cerimônia, um projeto de alienação sendo colocado em prática. Ou seja, a partir do bombardeio e informações falsas ou não, as pessoas perdem a noção do que é verdadeiro ou falso, automaticamente perdem o direito à autodeterminação informativa que é o direito a escolher quais meios e conteúdos serão utilizados para se informar e formar a sua opinião sobre qualquer assunto, e, atrelado a isso, passam a acreditar numa verdade mais confortável ao seu esforço intelectual…  E, sinceramente falando, esse esforço intelectual é baixíssimo quando o(a) cidadão(ã) está inserido(a) numa bolha virtual ou bolhas de informação (as caixas que comentei lá em cima) recheadas de desinformação, por causa de um perfilamento criado pelas grandes empresas essencialmente digitais. O intelecto não funciona da maneira crítica esperada. “É verdade o conteúdo que eu quero que seja”. Quantas vezes você já passou por isso ou já viu alguém fazendo isso?

Mas e aí? O que acontece?  Bom… e aí que as instituições, sob o argumento (e as vezes sentimento mesmo!) de estarem querendo proteger o cidadão, terminam por propor regulamentações no sentido de engessar o uso do meio ambiente virtual. São projetos de lei que falam em filtragem de conteúdo como responsabilidade de um determinado provedor, por exemplo, que terminam trazendo, para um lugar que nasceu livre e aberto, a característica da censura. “Mas Paloma.. Quer dizer que você acha que o meio ambiente digital não precisa ser regulado?” Ao contrário! Ele precisa de regulamentação, mas até para regulamentar a gente precisa se educar antes. Lembra da educação digital que falei lá em cima? Pois é! Ela resolveria boa parte do problema como já aconteceu em países como Finlândia, Suécia e Estônia. Países que seguem como exemplo de sociedade digital.

Por fim, preciso dizer e promover a reflexão de que por trás desse engessamento provocado pela bolha virtual que você está, a gente encontra um modelo de vigilância a la Foucault (referência ao seu livro “Vigiar e punir”), ou melhor, a la Jeremy Bentham (criador do termo “panóptico” e da estrutura carcerária), que a gente pode chamar, hoje, de panóptico digital como colocado por Byung-CHul Han em sua obra “No enxame. Perspectivas do Digital” (recomendo demais a leitura). Eli Pariser foi cirúrgico, em 2012, quando  afirmou que o surgimento da bolha dos filtros não afetaria apenas o modo como as pessoas processam as notícias que lhes são enviadas. Afetaria principalmente o modo como as pessoas pensam. Daí a conclusão dele em dizer que dar às pessoas o que elas querem (se referindo a personalização do conteúdo, das caixinhas…) significa, na verdade, uma filosofia cívica frágil e rasteira. Pois estaríamos cada vez mais enterrados em “nossas” caixinhas que segue monitoradas 24horas por dia e 7 dias por semana. Assim, nesse contexto de utilização exacerbada da internet, sem qualquer educação digital, a gente perde a liberdade de expressão,  os nossos dados pessoais (hoje considerados extensão dos nossos direitos da personalidade), a liberdade de escolha e segue se transformando numa ditadura digital como Levy e Harari já tinham previsto.

Então.. se a internet é das pessoas, o que estão fazendo com os nossos direitos, sentimentos e capacidades?

 

P.S.: As palavras sublinhadas te levarão a outros sites que complementarão a explicação do termo.

 

Paloma Mendes Saldanha

CEO - Diretora Executiva do PlacaMãe.Org. Doutora em Direito pela UNICAP com ênfase na aplicabilidade da inteligência artificial no Judiciário brasileiro. Mestre em Direito Processual pela UNICAP com ênfase em cybersegurança.

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