29/03/2021 – Judiciário
O CNJ cria o Balcão Virtual

Recentemente o Conselho Nacional de Justiça regulamentou o chamado Balcão Virtual, uma forma de comunicação criada para facilitar o atendimento do jurisdicionado e advogados pelas secretarias dos tribunais. Apesar de o ordenamento jurídico já permitir comunicações e procedimentos por meio virtual, o tema traz a característica de inovação, haja vista que qualquer comunicação ainda que virtual, acontecia em molde não instantâneo.

É importante observar que houve uma aceleração em vários procedimentos judiciais, a partir da pandemia do Covid-19, no que tange a adoção de novos meios para realização dos atos judiciais. É bem verdade que o início dessas transformações já havia acontecido antes mesmo do caos sanitário instalado, decorrente da pandemia. Mas foi a partir dele que se intensificou o trabalho, buscando mais soluções tecnológicas, no intuito de que a vida no judiciário não estagnasse e tornasse inoperante o acesso à justiça para a sociedade.

Então, com a necessidade emergente, possibilitou-se a realização de audiências por videoconferência, utilizando plataformas de chamadas de vídeo para a realização dos atos processuais. Algo que ainda traz alguns questionamentos, como o de segurança informática, quando da utilização das plataformas comuns no mercado para execução das demandas judiciais. Isso porque muitos tribunais utilizam plataformas comerciais, disponíveis para todos, podendo até serem pagas, porém, não se tratando de algo específico e criado para o sistema judiciário.

Além disso, é preciso pensar em outras nuances que a matéria pode gerar, como por exemplo, se não está havendo o desejo da transferência do que se faz fisicamente para o mundo virtual, sem as devidas adaptações. É necessário observar que em sendo as mesmas atividades, não poderemos tê-las exatamente da mesma forma no mundo virtual. Outro questionamento importante é: será que as previsões legislativas que regulamentam os atos físicos serão suficientes para norteá-los quando realizados no ambiente o virtual, garantindo que cumpram o que se propõem?

Para as perguntas e inquietações existem muitos debates envolvidos. É importante pensar sob várias perspectivas, inclusive sobre as vulnerabilidades a que estamos sujeitos quando submetidos ao novo formato, e então buscarmos as alternativas plausíveis para solucionar cada problemática identificada. O Balcão Virtual parece ser uma dessas situações que se busca transferir para o virtual o que era físico, tentando minimizar os danos ocasionados pela impossibilidade de se estar presente para a realização do atendimento ao jurisdicionado. Sem dúvida, trata-se de algo inovador, mas há de se pensar além da novidade, é preciso identificar as arestas para encontrar as soluções adequadas e pertinentes.

O novo molde de atendimento foi instituído com a Resolução nº. 372 de 2021, em que o CNJ determina que os tribunais no Brasil estabeleçam o atendimento no modo de Balcão Virtual, utilizando as plataformas de videoconferência para tal. Autoriza ainda que se possa utilizar qualquer infraestrutura tecnológica para a prestação desse serviço no atendimento de advogados e partes, quando os locais estiverem inviabilizados de instalar o atendimento síncrono por meio de videoconferência.

É bem verdade que o judiciário, ao instituir essas medidas, está garantindo o acesso à justiça dos cidadãos, que é um direito constitucional. Entretanto, é preciso pensar sobre as várias outras questões legais a serem cumpridas. Outros direitos também precisam ser resguardados quando da realização desse ato, como por exemplo, a acessibilidade das pessoas com deficiência visual.

Como afirmado acima, é certo que a Resolução admite a possibilidade da comunicação assíncrona, nos casos em que não puder ser viabilizada a plataforma de videoconferência, por impossibilidade da estrutura, quando o judiciário estiver localizado nos interiores. Entretanto, essa não deve ser a única preocupação a inquietar os operadores do direito e o próprio judiciário.

Talvez seja o momento para reconfigurar a estrutura legal processual, regulamentando especificamente as novas funcionalidades para identificar as peculiaridades do caso. Entende-se que apenas a Resolução não é suficiente, pois esta traz a implementação em linhas gerais e algumas possibilidades concretas. A previsão de regulamentações genéricas, como as existentes, não tem sido suficiente quando passamos a identificar as brechas que fragilizam alguns direitos.

Importante frisar que os tribunais já estão regulamentando o Balcão Virtual instaurando-o em suas atividades, como por exemplo o Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, que através da Instrução Normativa nº. 4, de 26 de março de 2021 estabelece a Plataforma Cisco Webex para referida função. O que já se pode verificar de imediato que a plataforma em questão não possui a acessibilidade necessária para as pessoas com deficiência visual, tendo em vista os leitores de tela serem incompatíveis com o compartilhamento de tela[1]. Ressaltando que o fato de as outras funções serem compatíveis não tornam o sistema acessível, pois meia acessibilidade não é acessibilidade.

Assim, o cumprimento de atos necessários ao andamento processual através do uso de ferramentas de videoconferência para o Banco Virtual pode estar violando garantias legais e constitucionais, seja pela própria estrutura tecnológica que não favorece, seja pela repetição literal de atos físicos no ambiente virtual. Nesse formato, torna-se difícil a concretização de alguns pontos previstos na norma, como por exemplo, a garantia de sigilo para alguns processos, a incomunicabilidade de testemunhas, haja vista os assistentes não terem controle sobre quem está do outro lado da tela.

O balcão Virtual é, portanto, um ponto no direito que precisa ser debatido, não deixando de reconhecer o lado positivo da sua instauração, por viabilizar uma transformação para o processo e ser um avanço para a sociedade. Assim, faz-se necessário apenas um olhar criterioso para que se aprofunde no aperfeiçoamento e consequentemente se alcance cada vez mais a excelência nos serviços jurisdicionais prestados.

Referências:

BRASIL, Conselho Nacional de Justiça. Resolução Nº 372 de 12/02/2021. Disponível em < https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3742 > Acesso em 28 mar 2021.

CISCO WEBEX. Recursos de acessibilidade do Cisco Webex meetings e Cisco Webex Events. Disponível em < https://help.webex.com/pt-br/84har3/Cisco-Webex-Meetings-and-Cisco-Webex-Events-Accessibility-Features > Acesso em 28 mar 2021.

[1] Fonte: https://help.webex.com/pt-br/84har3/Cisco-Webex-Meetings-and-Cisco-Webex-Events-Accessibility-Features

Aline Taraziuk Nicodemos

COO - Diretora de operações do PlacaMãe.Org. Mestra em Direito Processual pela UNICAP com ênfase na acessibilidade do Processo Judicial eletrônico brasileiro. Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela UNINASSAU. Professora.

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