Vivemos em uma constante transformação da ordem que nos rodeia. Nossas regras, princípios, convivência, conceitos alteram a cada novo contexto apresentado ao ser humano. E o contexto da cibercultura, contexto social de transformação de ser, estar e agir por influência do uso das tecnologias digitais, nos apresenta uma ordem mais frenética, imediatista, superficial, intensa e, por vezes, viciante, depressiva e substitutiva.
Segundo a pesquisa TIC Domicílios de 2019, o Brasil tem 26% da sua população em status de DESconectada [1]. Um número muito alto para um país que se apresenta internacionalmente com legislações tão importantes para o contexto cibercultural, como é o Marco Civil da Internet, por exemplo, bem como para um país que aparece como o 4º país com mais usuários do Facebook durante a Pandemia [2]. Ao mesmo tempo, podemos considerar um número muito pequeno se observarmos que existe 74% da população utilizando artefatos tecnológicos cada vez mais atualizados não só quanto a coleta de dados pessoais, mas também quanto ao uso dado por seres humanos. A cada atualização de produtos e serviços tecnológicos digitais observamos um novo processo de aprendizagem de máquina guiada por seres humanos. São variedades de vontades, de interesses, de curiosidades e de atenções que alimentam ingenuamente os algoritmos em prol do desenvolvimento econômico, financeiro e tecnológico de algumas empresas e partes (setores) da nossa sociedade.
Como Jacques Ellul [3] bem constatou, em seu livro datado de 1968, porém extremamente atual, estamos vivenciando uma corrida técnica que acontece numa Sociedade técnica fundada numa necessidade da técnica. O dataísmo [4] provocado pela transformação da crença e deslocamento da confiança nos mostra como a ciência dos dados interfere diretamente no cotidiano do ser humano. A utilização do Waze, Tinder, Instagram, Facebook, TikTok etc. para guiar o nosso cotidiano apresentando opções de ser, estar e agir terminam por produzir a seguinte questão: Estamos auxiliando o processo de aprendizagem de máquina a fim de substituirmos a nós mesmos? Quais ações, hoje, nós já não desempenhamos por utilizar artefatos tecnológicos munidos de internet e aplicativos que “suprem” as nossas necessidades?
O perfilamento produzido pelo uso do Big Data e do Business Intelligence reflete uma necessidade intensa de modificação quanto a formação dos(as) juristas brasileiros(as). Principalmente quando se observa que a ciência dos dados conquistou mais esse espaço.
A tendência ao uso de sistemas de jurimetria desenvolvidos por empresas privadas como Intelivix, Kurier, LegalInsights, Juristec, Semantix, por exemplo, acentua a incidência de fatos geradores de maior precisão para ações/atividades jurídicas preventivas, por exemplo. E a sugestão preventiva automatizada estará sempre interligada a potencialização das atividades relacionadas a gestão e confecção de contratos, além da gestão do próprio escritório de advocacia ou vara cartorária do Tribunal. O legal data Science, como é mais conhecido, termina por definir políticas de acordo e de provisão; engaja o desenvolvimento de plataformas digitais de acordo, assim como atualiza vários outros produtos que antes eram ofertados de forma física e, exclusivamente, por seres humanos.
A Universidade de Oxford, em 2013, apresentou uma pesquisa cuja conclusão demonstrou que 47% das funções desenvolvidas por seres humanos no mercado de trabalho não resistirão às interferências das máquinas nos próximos 20 anos [5]. Nesse mesmo sentido, a Consultoria McKinsey Global Institute [6] realizou estudo que demonstra uma gradual substituição de funcionários por máquinas baseadas em modelos de aprendizagem (inteligência artificial). O estudo calcula que 800 (oitocentos) milhões de seres humanos perderão o emprego para robôs até 2030.
Nesse cenário… enquanto a ciência dos dados apresenta insights e conclusões, a inteligência artificial, a partir dos seus modelos de aprendizagem baseados em machine ou deep learning se utilizando da ciência dos dados, age velozmente. Pois, a velocidade das transformações tecnológicas não está em conformidade com a velocidade limite necessária para o desenvolvimento saudável de um ser humano. Estamos descompassados. Estamos à beira de colapso social tentando entender o que é ou não humano. O que permanece? O que sai? Quão humana é a atividade ou o trabalho desempenhado por você a ponto de não ser substituído?
[1] CETIC.BR. Pesquisa TIC Domicílios 2019. Disponível em < https://cetic.br/pesquisa/domicilios/indicadores/ > Acesso em 25 jan 2021.
[2] SILVA, Douglas Vieira. Brasil é o 4º país com mais usuários no Facebook na quarentena. Disponível em < https://www.tecmundo.com.br/redes-sociais/153570-brasil-4-pais-usuarios-facebook-quarentena.htm > Acesso em 25 jan 2021.
[3] ELLUL, Jacques. A técnica e o desafio do século. Trad. Editora Paz e Terra. Rio de Janeiro: Editora Civilização brasileira S.A., 1968.
[4] HARARI, Yuval Noah. Homo Deus. Companhia das Letras, 2016.
[5] CALEIRO, João Pedro. Automatização ameaça 47% dos empregos nos EUA, diz estudo. Disponível em < https://exame.com/economia/automatizacao-ameaca-47-dos-empregos-nos-eua-diz-estudo/ > Acesso em 25 jan 2021.
[6] MENDES, Jaqueline. Robôs: mais de 800 milhões de trabalhadores serão substituídos em 20 anos. Disponível em < https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/economia/2019/01/10/internas_economia,729968/robos-mais-de-800-milhoes-de-trabalhadores-serao-substituidos-em-20-a.shtml > Acesso em 25 jan 2021.
Paloma Mendes Saldanha
CEO - Diretora Executiva do PlacaMãe.Org. Doutora em Direito pela UNICAP com ênfase na aplicabilidade da inteligência artificial no Judiciário brasileiro. Mestre em Direito Processual pela UNICAP com ênfase em cybersegurança.
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