Muito tem se debatido quanto a validade do referido procedimento, que findou por ser adotado face a flagrante necessidade decorrente do isolamento social posto pela pandemia. E, a gente não poderia ficar de fora desse tema não é mesmo? Pois bem, a questão chegou até o STJ. E….O que decidiu o Tribunal? Tam, Tam, tam….
É possível a utilização de WhatsApp para a citação do acusado? Para o STJ SIM. Mas essa resposta não é tão simples assim. No próprio julgado o Superior Tribunal ponderou algumas ressalvas, afirmando a necessidade de adotar-se cautelas para garantir a autenticidade do número telefônico e a identidade do destinatário. Pela importância do tema, dá uma lidinha no julgado:
“É possível a utilização de WhatsApp para a citação de acusado, desde que sejam adotadas medidas suficientes para atestar a autenticidade do número telefônico, bem como a identidade do indivíduo destinatário do ato processual. STJ. 5ª Turma. HC 641.877/DF, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 09/03/2021 (Info 688).” Críticas à parte, é importante que sejam feitas algumas reflexões sobre o tema. E esse texto apresenta essa proposta a você, meu caro leitor.
A citação do acusado, sem dúvidas[1],é um dos atos mais importantes do processo. É por meio dela que o indivíduo toma conhecimento dos fatos que o Estado, por meio do jus puniendi lhe direciona e, assim, o acusado passa a poder demonstrar os seus argumentos, a sua versão dos fatos, à versão acusatória (me permitam ressaltar, é através dela que viabilizamos a consolidação dos princípios constitucionais do contraditório, ampla defesa e devido processo legal).
No Processo Penal, diversamente do que ocorre na seara Processual Civil e no Processo Trabalhista, por exemplo, não é autorizado considerar estritamente o processo, a manifestação ativa das partes é essencial para concretizar o direito substantivo. Veja bem, na ação penal apenas o processo, dentro da aplicação do contraditório a ampla defesa, é que se legitima a pena.
Assim, sem dúvidas, levando em consideração o que hoje temos de texto de lei positivado, e a valoração que conferimos aos referidos institutos, vários óbices impediriam a citação via WhatsApp, seja de ordem formal, poderíamos suscitar um vício de competência, vez que trata-se de competência privativa da União para legislar sobre processo (art. 22, I, da CF/88), ou de ordem material, face ao flagrante desrespeito a princípios extremamente importantes quando se apresente procedimento judicial como um todo, como o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa.
Poderíamos ressaltar o art. 6º[2] da lei 11.419/06 que veda expressamente a utilização de meios eletrônicos para citação em processo penal e infracional. Mas, lembra do nosso pacto inicial? A proposta aqui é refletir sobre o tema….
Não podemos fechar os olhos para a realidade. Cá entre nós, tá? Já está acontecendo assim. E tem dado certo! Excluir a possibilidade de utilização de um mecanismo de interação social que possui inúmeras vantagens no campo facilitação do contato/interação não se revelaria uma postura comedida. A realidade é que o WhatsApp para fins da prática de atos de comunicação processuais penais, como a citação e a intimação, tem se mostrado uma ferramenta útil e eficaz. No estado de Pernambuco, a Instrução Normativa Conjunta 01/21, que já foi bastante aprimorada desde de sua edição inicial, inaugurou a possibilidade e hoje é uma aliada do acesso à informação.
Veja bem, não se trata de autorizar a confecção de normas processuais por tribunais, não é isso que defendo neste momento. Mas sim o reconhecimento, em abstrato, de vantagens sim, de situações que, com os devidos cuidados, e é bem aqui que precisamos nos despir do positivismo e refletir…. mostram um substancial afastamento, ao menos, a princípio, de possíveis prejuízos ensejadores de futuras anulações, prescrições….
Olha, eu posso até te elencar algumas vantagens objetivas… a tecnologia em questão permite a troca de arquivos de texto e de imagens, o que possibilitaria ao oficial de justiça, com quase igual precisão da verificação pessoal, aferir a autenticidade do número telefônico, bem como da identidade do destinatário para o qual as mensagens são enviadas. Por que não conferir um treinamento adequado a esse servidor, que com as aptidões necessárias, poderia realizar essa análise inicial?! E certificar esse conteúdo.
Além disso, não podemos esquecer que falar em nulidade de ato em processo penal, sem demonstração de prejuízo ou, em outros termos, princípio pas nullité sans grief não é o defendido em nosso código de processo penal a exemplo do próprio art.563,[3] e nem o que vem sendo aplicado na jurisprudência majoritária das cortes superiores, súmula 523 do STF[4].
Desta forma, entendemos que é possível sim imaginar-se a utilização do WhatsApp para fins de citação na esfera penal, com base no princípio pas nullité sans grief. Porém, para que seja admitida a citação por WhatsApp é imprescindível que sejam tomados inúmeros cuidados possíveis para se comprovar a autenticidade não apenas do número telefônico com que o oficial de justiça realiza a conversa, mas também da identidade do destinatário das mensagens, e o próprio efetivo recebimento do conteúdo.
O envio de foto do documento de identificação do acusado, de um termo de ciência do ato citatório assinado de próprio punho, quando o oficial possuir algum documento do citando para poder comparar as assinaturas, a selfie realizada pelo destinatário que possibilitaria a biometria facial, ou qualquer outra medida que torne inconteste tratar-se de conversa travada com o verdadeiro denunciado. A mera confirmação escrita da identidade pelo citando não nos parece suficiente. De igual forma, haver no aplicativo foto individual dele.
Ante a mitigação dos riscos, diante da concorrência da eleição, e necessária regulamentação/uniformização, de elementos indutivos da autenticidade do destinatário, número de telefone, confirmação escrita e foto individual (selfie), entende-se possível presumir-se que a citação se deu de maneira válida. Ressalvando-se o direito do citando, posteriormente, comprovar, e contestar, eventual nulidade, seja com registro de ocorrência de furto, roubo ou perda do celular na época da citação, com contrato de permuta, com testemunhas ou qualquer outro meio válido que autorize concluir de forma assertiva não ter havido citação válida. E isso aqui nem é novidade, pois, já existe a possibilidade face ao uso de inúmeros institutos já existentes em nossa legislação como os recursos possíveis, ações autônomas de impugnação e remédios constitucionais.
Optamos por entender que é possível iniciarmos essa reflexão, que o uso da referida tecnologia para citação é medida facilitadora, desde que, com a adoção de regramentos suficientes para atestar a identidade do remetente/destinatário com quem se travou a conversa.
No caso do julgado que inaugura a nossa reflexão, o, o STJ decidiu anular a citação feita via WhatsApp, justamente porque não houve nenhum comprovante quanto à autenticidade da identidade do citando, ressalvando, porém, a possibilidade de se usar a referida tecnologia, com a adoção de medidas suficientes para atestar a identidade do indivíduo com quem se travou a conversa.
E você? O que entende por medidas suficientes para atestar a identidade? E o que refletiu do todo apresentado?
Espero ter contribuído para sua reflexão.
Abraço e até a próxima!
[1] A citação é o ato pelo qual se dá ciência ao acusado da existência de ação penal promovida contra ele. É através deste ato processual que o réu é chamado para defender-se, inaugurando-se prazos de manifestação processual, configurando-se, dessa forma, uma garantia para o exercício da Ampla Defesa e do Contraditório.
[2] Art. 6º Observadas as formas e as cautelas do art. 5º desta Lei, as citações, inclusive da Fazenda Pública, excetuadas as dos Direitos Processuais Criminal e Infracional, poderão ser feitas por meio eletrônico, desde que a íntegra dos autos seja acessível ao citando.
[3] Art. 563. Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa.
[4] No processo penal, a falta da defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu.
Katiene Santana
Coordenadora da área de concentração em Direito Penal informático da CDTI-OAB/PE; Mestre em Perícia Forense pela UPE; Especialista em Direito Público; Advogada inscrita na OAB-PE nº 28.579; Professora Universitária e Pesquisadora voluntária no PlacaMãe.org.
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