05/06/2020 –
Covid-19, Revolução digital e capitalismo – resenha sobre o texto do Prof. João Paulo Allain

Diferentes são as perspectivas que precisamos pensar sobre os dados disponibilizados por nós no meio ambiente digital. Meu Professor, João Paulo Allain Teixeira, publicou um capítulo de um livro em que ele faz uma reflexão sobre a COVID-19, a revolução digital e o capitalismo global. Uma perspectiva decolonial da pandemia que estamos vivenciando.

Com a sua solicitação e autorização, disponibilizo aqui minhas impressões sobre o texto e minhas reflexões sobre o conteúdo. Como sempre, o Prof. João Paulo traz em sua escrita um texto fluido, com linguagem acessível e que nos faz pensar. Creio que essas sejam as 3 principais características de um texto bom, útil e encorajador. Já que é preciso coragem para começar ou continuar a escrever sobre um assunto que inquieta.

Aqui não tenho a menor pretensão de exercer o formato acadêmico… apenas uma resenha do que li e gostei. Gostei muito da abordagem trazendo a correlação do desenvolvimento das tecnologias e o aparecimento (e até peso) das pandemias ao longo da história por motivo desse desenvolvimento. E aí não incluo as palavras transporte e comércio, trazidas no texto, pelo fato de entender que ambas fazem parte ou são frutos da tecnologia (que não necessariamente é digital). O que temos hoje de tecnologia digital nada mais é, como bem colocado no texto, que uma evolução das experiências passadas. E como toda evolução a tecnologia digital também teve seu período de resfriamento… Período que as coisas não poderiam fluir pelo fato de que a ciência não tinha elementos técnicos suficientes para poder evoluir com a inteligência artificial, por exemplo.

Mas onde eu quero chegar? Todo esse desenvolvimento tecnológico (digital) só foi possível (e aqui dando um salto monstruoso na história) a partir do surgimento da maior disponibilidade dos dados pessoais na rede mundial de computadores. Ao ter mais dados temos mais “alimento” para que a tecnologia digital (e aqui usando a IA como exemplo denovo) evolua… se desenvolva… Eu só tenho como ter uma tecnologia funcionando da maneira esperada ou só tenho como levar esse desenvolvimento a patamares mais altos se eu tiver acesso a cada vez mais dados. E dados de qualidade.

E aí é onde entra a questão do colonialismo de dados, expressão utilizada pelo Prof. João Paulo em seu texto. Adorei a expressão, mas tenho utilizado a expressão “dataísmo” para me referir a uma religião mesmo… a religião dos dados já que existem movimentos de resgate da vida analógica como traz o livro “A vingança dos analógicos” de David Sax, mencionado no texto. O “FOMO” – Fear of missing out – eleva a entrada nessa religião ou pode ser vista como uma ferramenta do colonialismo dos dados. E aí a gente vê a interferência direta na saúde mental da população… depressão, ansiedade… tudo pelo medo de estar fora das redes sociais e não conseguir acompanhar a freneticidade desse movimento de virtualização geral. Cada vez mais dados são jogados na rede (por opção, por carência, por exigência de mercado etc), cada vez mais as pessoas são expostas e cada vez mais controle se tem da população (em todos os âmbitos da vida) pelo fato de estar tudo sendo gerenciado por algoritmos extremamente bem treinados e com capacidades superiores a dos seres humanos em termos de análise, estatística e entrega de resultado minerado com a indicação de tomada de decisão.

Sim! Temos dois pontos de vista… temos os dados como benéficos para o desenvolvimento da ciência tecnológica (e aqui me refiro ao desenvolvimento das plataformas e tecnologias digitais que só têm como se desenvolverem com o acúmulo dos dados – quanto mais dados qualitativos melhor), mas também como vilão, ou melhor, a sua disponibilidade exacerbada faz com que as grandes empresas essencialmente digitais (que verdadeiramente detêm o controle do capitalismo atual) utilizem os dados para o controle da população ou das nações como um todo.

Sempre estranhei quererem legislar a proteção de dados pessoais a nível nacional. Cada país tem a sua legislação sobre esse item. Mas se a gente parar para pensar, estamos falando de algo global. Os dados dos brasileiros não estão unicamente do Brasil, assim como os dados dos japoneses (do outro lado do mundo) não estão unicamente no Japão… estão na rede e a rede é extraterritorial. O que me leva a crer que as legislações que hoje surgem (LGPD, GDPR etc) são unicamente prestações de satisfação as suas populações e até mesmo a outras nações no sentido de querer informar que o poderio “bélico” digital por ali está organizado. E que outro Estado não tem gerência. Uma mera satisfação social com cara de briga política do “quem pode mais” em termos de tecnologia digital.

Quem gerenciará os dados do mundo inteiro? Teremos interferências políticas como os EUA fizeram no estado islâmico quando enviaram suas tropas? Ou será que já temos isso, levando em consideração que as grandes empresas desse ramo são norte-americanas?

Sobre outra parte do texto, diria, inclusive, que a forma como fora denominada a “gripe espanhola” pode ser vista como um respirar da criação e do direcionamento do discurso levando a, hoje, pensamentos sobre fake news. Óbvio que digo isso de maneira resumidíssima e com um salto histórico absurdo (denovo!). E sobre a pandemia, acredito que o movimento duplo levantado no texto (expansão da digitalização e precarização e exclusão populacional) não seja só o um processo de metamorfose permanente, mas também célere ao ponto de ser estupidamente esmagador. E, sim! Teremos sempre uma setorização ou exclusão social (assimetria entre classe, raça e gênero) que será acentuada (ou já é!) pelo desenvolvimento e acesso a tecnologia. Se não entender como funciona, não está dentro… Mas como entender se não tem acesso? Impossível. A desinformação, no sentido da ausência de informação mesmo, seria, então, uma ferramenta para excluir parte da sociedade já que a ideia é ter por perto apenas um grupo seleto de “incluídos”?

O livro “weapons of math destruction” de Cathy O´Neil traz de maneira nítida essa exclusão, ou melhor a desigualdade provocada pelo uso das tecnologias digitais. “O mundo que não pensa” de Franklin Foer também demonstra essa setorização, mas acentua a perda de capacidade de escolha pelo fato da manipulação pelo que colocamos aqui como dataísmo ou colonialismo de dados. “A nova idade das trevas: a tecnologia e o fim do futuro” de James Bridle também traz a perspectiva da exclusão, mas tenta observar os outputs da tecnologia como resultados pertencentes a todos e não apenas aos privilegiados.

Termino minhas palavras por aqui, mas fazendo um convite ao Professor João Paulo para um momento na PlacaMãe.Org_ para conversar sobre isso, inclusive com a sua presença (leitor e leitora). Quem sabe se a partir dessa conversa novas reflexões e ideias possam surgir? 🙂

Paloma Mendes Saldanha

CEO - Diretora Executiva do PlacaMãe.Org. Doutora em Direito pela UNICAP com ênfase na aplicabilidade da inteligência artificial no Judiciário brasileiro. Mestre em Direito Processual pela UNICAP com ênfase em cybersegurança.

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