14/12/2020 –
As relações de trabalho e os dados pessoais

Você já parou para pensar que até nas relações de trabalho se exige cuidado com os dados pessoais?

Pois é, isso mesmo.

Muitos não sabem como lidar com as questões trabalhistas e os dados pessoais, sejam os candidatos (as) às vagas ou empregados (as), sejam os empregadores ou empregadoras durante o processo de contratação ou durante a execução dos contratos. O fato é que, a partir da Lei Geral de Proteção de Dados, as relações necessitarão de um tratamento cautelo, isso inclui as trabalhistas também. Os recrutamentos para preenchimento de vagas e os próprios contratos de trabalho firmados devem observar as normas de proteção de dados.

Sobre a fase de recrutamento, o modo de operar ainda é muito rudimentar, quando se trata de dados dos participantes. Vez ou outra escutamos de alguém que participou de seleção de emprego e precisou responder a questionamentos que vão além das necessidades exigidas para o cargo. A exemplo: qual a religião? Deseja casar? Ter filhos? Não vemos relação de exercício de atividade que sejam necessárias compatibilidades com religião ou o fato de ter filhos ou não. Assim, nitidamente são questionamentos que em nada contribuem para o preenchimento da vaga. São perguntas que invadem a privacidade das pessoas e as tornam vulneráveis, inclusive para serem vítimas de atos discriminatórios. A religião do candidato traduz capacidade do candidato?

Acessar a seara da privacidade deve ser precedido de um porquê. Qual o objetivo de se fazer determinada pergunta? O cargo exige que saiba de tal informação? Inclusive o porquê de se ter tal informação e o seu armazenamento deve ser explicado a pessoa. Sim, existem perguntas que podem ser feitas mesmo que estas estejam no espaço da privacidade. Uma pessoa que irá ocupar um cargo em que irá lidar com valores financeiros, por exemplo, permite que o empregador exija os antecedentes criminais da pessoa. Porém, nem todas as funções exigirão o acesso a essa informação, pois o contrário seria uma exposição desnecessária para o empregado.

É certo que durante os contratos de trabalho o empregador necessitará ter acesso a informações do empregado, seja porque precisa compor algum pagamento junto aos órgãos públicos, seja por exigência legal. De qualquer forma, o empregador deverá justificar o acesso e a manutenção desses dados em seus bancos. Em qualquer das hipóteses, o empregador terá que organizar a estrutura da sua empresa para que possa respeitar as normas e dar continuidade aos trabalhos desempenhados. Essa organização compreende treinamento de funcionários para que saibam lidar e tratar os dados de todos os empregados ou candidatos a cargos em processos seletivos.

Vale salientar que a LGPD, a lei Geral de Proteção de Dados, não traz expressamente as relações de trabalho ou emprego em seus objetivos. Entretanto, a própria lei aborda de forma ampla a aplicabilidade do seu teor aos dados pessoais. Traz a regra de que a lei se aplica a proteção de dados pessoais quando tratados por pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado. Assim, como já adiantamos um pouco as hipóteses, visualizamos três hipóteses de aplicação da LGPD nas relações trabalhistas, quais sejam: fase pré-contratual, contratual e pós contratual. Desse modo, a pré-contratual seria o recrutamento, a contratual a fase de execução do contrato e a pós contratual seria após rescisão que também enseja cuidados com os dados.

Um ponto importante sobre a fase pré-contratual diz respeito a coleta de dados dos candidatos e a não contratação de todos eles. O que fazer com os currículos? Trata-se de uma ação importante e questionar o candidato sobre a manutenção do documento na empresa é um passo necessário.

Na fase contratual haverá necessidade de se ter acesso a determinadas informações do empregado, como por exemplo dados bancários, exames ocupacionais. Os dados servirão para que se faça o pagamento do salário e os exames são exigências legais. Em todas as situações deverá existir justificativa para o fornecimento desses dados. Nesses e em outros casos o empregador precisará saber a forma de armazenamento para que esteja em conformidade com a LGPD.

Além das fases já mencionadas, tem-se a fase da finalização do contrato. Trata-se de uma hipótese de exigência legal em que deverá haver o armazenamento de dados do empregado para fins de fiscalização. Portanto, documentos como comprovantes de férias, de pagamentos junto ao órgão da previdência, holerites, dentre outras possibilidades, exigem um banco de armazenamento dos dados sobre os ex empregados para que uma possível fiscalização ou até mesmo ação trabalhista sejam realizadas no futuro.

Portanto, é necessário estar atento (a) às relações trabalhistas, pois estas trazem uma bagagem sobre dados pessoais, exigindo cuidados específicos sobre tratamento e armazenamento dos mesmos. É necessário que as empresas e pessoas físicas, quando empregadoras, estejam atentas aos procedimentos adotados e ao treinamento de funcionários para que esteja em plena compatibilidade com a norma em vigor. E aos empregados ou candidatos a vagas, é importante ter ciência dos direitos previstos para que seja um fiscalizador, embora já seja proprietário desses dados objeto de controle por todas as partes.

 

 

Referências:

BOLDRIN, Paulo Henrique Martinucci e CORREIA, Henrique. Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e o Direito do Trabalho. 2020. Disponível em: https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2020/09/25/lei-geral-de-protecao-de-dados-lgpd-e-o-direito-trabalho/. Acesso em: 07 dez. 2020.

ARAUJO, Cristiane Carvalho Andrade e CALCINI, Ricardo. O impacto da LGPD nas relações de Trabalho. 2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-set-17/lgpd-impactos-trabalhistas. Acesso em: 07 dez. 2020.

Aline Taraziuk Nicodemos

COO - Diretora de operações do PlacaMãe.Org. Mestra em Direito Processual pela UNICAP com ênfase na acessibilidade do Processo Judicial eletrônico brasileiro. Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela UNINASSAU. Professora.

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