. O que são algoritmos evolutivos
Nosso objetivo aqui não é discutir os meandros técnicos de como se desenvolve, e sobre quais linguagens e tecnologias, para a criação de algoritmos evolutivos; nem apresentar todas as modalidades e formas. Nosso foco aqui é falar sobre a ferramenta frente ao mercado intelectual de decisões que é o mundo jurídico.
A ideia de algoritmos evolutivos já é bem antiga, sendo de amplo uso em mercados como o das decisões de investimentos. Consistindo em aplicar a uma população de robôs determinados parâmetros de decisão, com pequenas variações entre eles e, aplicando a uma realidade fática do que já ocorreu no tempo, ver os mais eficientes em produzir o resultado desejado, com eliminação dos menos eficientes, geração de mutações nas populações sobreviventes e sequência na vida acelerada para seleção dos mais capazes de gerar o esperado para o problema.
. Como pode ser remetido ao mundo jurídico
Quando pensamos na capacidade pessoal de um profissional, no caso um advogado, de conseguir os melhores resultados para um processo, o que nos vem como principal referência para sua competência é a experiência. E esta nada mais é que a continua exposição do mesmo personagem a problemas semelhantes em diferentes contextos; o que só se dá com o tempo.
Se um profissional hoje é uma referência diferenciada, ele possui uma história para prová-la, o que remete ao fato de que ele conseguiu persistir e continuar a existir na profissão. Ou seja, ele não foi eliminado do mercado por suas falhas em obter resultado para seus clientes.
Agora imagine poder colocar inúmeros “advogados robôs”, expostos aos mesmos contextos com a programação para gerar a melhor proposta de solução ao longo de vários anos, sobre condições semelhantes a vivida pelo profissional e também definindo um modelo de corte para seleção dos que devem prosperar. O que você encontraria no fim seria um robô sobrevivente ao mercado, um especialista que conseguiu passar pela “seleção natural” do tempo.
I Mas isso é possível?
(1) A possibilidade
O primeiro desafio para conseguir desenvolver algoritmos evolutivos para embasar decisões jurídicas é ter a base histórica disponível para coloca-los em operação. Quando a ferramenta é usada para criar os melhores robôs de recomendação de investimento, todo o histórico do comportamento no tempo da iBovespa está disponível, mas e como fazer no âmbito judicial?
Fora questões de família e alguns processos que correm em segredo de justiça, os históricos dos processos são públicos e, quanto mais digitais se tornam, mais fáceis de serem analisados passam a ser. Esse fato combinado a capacidade de entendimento de linguagem natural e de análise de dados não estruturados torna cada dia mais simples implementar ferramentas como está.
Usando a tecnologia disponível já é possível converter o histórico em dados estatísticos que permitam quantificar – em números – o desempenho de um profissional no tempo, o que é facilmente adaptável para mapear desempenho da atuação virtual dos robôs do modelo dos algoritmos evolutivos. Ou seja, formar a base histórica concatenada e repetitiva real para a simulação evolutiva é perfeitamente possível.
(2) A estruturação
Tendo a base histórica preparada sobre a qual trabalhar, implementar uma solução como esta é mais simples do que parece, o que fica fácil de perceber utilizando um exemplo de desenvolvimento. No caso apenas ilustrativos vamos considerar robôs com foco unicamente em estratégias processuais para questões ligadas ao vício do produto.
O objetivo ótimo matemático a ser perseguido aqui pode ser traduzido como obter o menor ticket médio possível para a maior parte das atuações em determinada carteira. Matematicamente isso significa o gasto total realizado naquela carteira (com acordo, preparo de recursos e pagamento de condenação) divididos pelo montante de processos da carteira no termino de um período.
(3) Funcionamento
A simples escolha de uma referência fixa como meio de medir desempenho, já permite estabelecer a base sobre a qual os robôs melhores adaptados serão escolhidos, também fornecendo indícios de como a população de advogados virtuais será desenvolvida.
Por exemplo, o menor ticket médio é o objetivo, escolher mais acordo, recorrer menos e tentar improcedência só quando tendo em sua disponibilidade as provas pré-constituídas mínimas necessárias, pode ser a configuração inicial de um dos robôs da população; criando-se inúmeros outros apenas com a variação de uma destas três decisões em termos de peso em relação a variáveis comumente presente em um processo. Não exigindo, inicialmente, que nenhum destes algoritmos seja minimamente sofisticado, pois não há garantia que o melhor resultado de fato vem das opções mais inteligentes.
Caberá a simulação da interação da população de robôs com a consequência de suas decisões em um universo histórico que já ocorreu para identificar quais, de fato, tenderão a ter mais sucesso a médio e longo prazo. Claro, sempre selecionando os melhores, eliminando os mais fracos e criando novos robôs com as melhores características dos mais fortes para seguir competindo (a exemplo do que ocorre na seleção natural).
Observe que a escolha do mais adaptado não mais vai depender de um julgamento humano, mas sim de um resultado matemático claro e quantificável; afastando ideias preconcebidas de quais características levariam a melhores resultado para uma visão fática de quem de fato chegou mais próximo ao desejado. É rodar a vida de forma acelerada e mapear o perfil (ou os perfis) dos verdadeiros vencedores dentro da ótica que você desenhou.
II Uso da estrutura de recomendação
Então a visão evolutiva de robôs advogados vai criar seres virtuais que vão suplantar grandes advogados, não é isso? A resposta é: claro que não.
O que se obterá com este desenvolvimento será a sugestão de decisões isentas dos efeitos dos vieses do pensamento aos quais todos os seres humanos, e por isso mesmo os advogados, estão sujeitos; trazendo a sugestão da ação para um universo mais racional. Afinal nós humanos não somos capazes de tomar decisões sem que a nossa visão de mundo interfira, ainda que tenhamos consciência de que é assim que a psicologia funciona.
Um bom exemplo disso são testes como o de pegar 20 pessoas diferentes, pedir a cada uma para anotar em um papel os dois últimos números de seu número de telefone celular e, em seguida, pedir para, no mesmo papel, anotar a quantidade de nações existentes na África. Invariavelmente os que o número final do telefone formarem valores maiores vão chutar uma quantidade de nações mais elevadas que os que tiverem números de celulares com os últimos dígitos indicando valores mais baixos.
Veja que, num momento de um simples chute de um valor desconhecido, um número que não guarda nenhuma relação com a informação desejada vai interferir na nossa decisão de qual sugestão compor. Agora imagine o quanto pesa a nossa relação pessoal com o cliente, nossa vivência como consumidor do mesmo produto da questão do exemplo – vicio do produto – ou mesmo o humor com que nos acordamos no dia que recebemos a demanda.
A sugestão imune destas influências indesejáveis deverá funcionar, ela sim, como um novo víeis para a ação do advogado. Uma nova ancora para melhor orientar a sua própria tomada de decisão. Com a diferença de ser imune a influências emocionais e, por isso mesmo, dever tender a levar a melhores resultados.
III Efeitos possíveis
Com a aplicação desta tecnologia o que esperamos é produzir uma tendência a resultados melhores para os clientes, o que seria consequência, por exemplo, de um modelo centrado em menor ticket médio possível. Favorecendo acelerar o ganho de eficiência dos profissionais em um período consideravelmente menor de tempo.
Não seria a substituição intelectual do advogado no lado da confecção e determinação da estratégia de ação, mas sim a inclusão da inteligência artificial nesta parte do seu trabalho. Um modelo potencializador dos resultados possíveis de serem gerados.
O mais interessante é que o mercado não perceberá que um algoritmo está ajudando na construção das decisões, apenas vai perceber alguns profissionais se destacando frente aos demais. Um caminho que ainda exige grande investimento em desenvolvimento, mas que certamente trará outro nível competitivo para a advocacia.
Paulo Christiano Tenório Sobral
Executivo e advogado, com título de Mestre em administração com foco em estratégia, MBA em marketing pelo Instituto Português de Administração e Marketing, especialização em finanças, controladoria, economia e negócios empresariais pela UFPE, com experiência em gestão de escritório de advocacia, grupo hospitalar, empresa de consultoria, passagem por multinacional, distribuidora, empreendimento próprio e desenvolvimento de Startup de Inteligência Artificial aplicada.
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