19/02/2019 – Educação
O peso das nossas omissões

Em 2018 duas reportagens chamaram à atenção da PlacaMãe.Org:
1. Escola nos EUA é processada por bullying/cyberbullying praticado contra uma criança;
2. Administradora de grupo de whatsapp é condenada por não coibir bullying.
Mas o que elas, as reportagens, têm em comum?

Para iniciar a conversa é necessário entendermos que a cibercultura é algo que existe e não teremos mais como retirar das nossas vidas. Ou melhor, a cultura do uso da tecnologia digital para facilitar atividades do nosso cotidiano foi inserida e já se encontra enraizada em nossa sociedade. Não é à toa que o Judiciário, hoje em dia, precisa moldar ou interpretar sua legislação de maneira que abarque questões que ocorram não só no plano físico, mas também virtual. E aqui não falamos de plano real e virtual, pois o que acontece no plano virtual é bem real… e com consequências seríssimas no plano físico se não prestarmos atenção.

Vejamos. Numa reportagem uma Escola Pública nos Estados Unidos foi processada por não incluir em suas atividades pedagógicas, bem como por não conseguir verificar ou tomar atitudes no sentido de intervir em favor da vítima nos momentos da prática do bullying que ocorriam dentro da escola e se alastrava pela internet. Na outra reportagem, uma mulher foi condenada a pagar indenização por danos morais por não coibir atos de bullying dentro de um grupo de whatsapp no qual ela era administradora.

A partir desse contexto passamos a questionar:
1. Até que ponto uma escola, seja pública ou privada, se torna responsável por práticas de bullyings ocorridas dentro do seu estabelecimento ou no meio virtual?
2. Uma pessoa que cria um grupo privado de whatsapp e se coloca como moderadora pode ser responsabilizada pelos atos ilícitos ocorridos ali dentro?
3. Aqui no Brasil temos legislação que garantem essa proteção jurídica e enquadre os atos de bullying como atos ilícitos?
4. Do ponto de vista pedagógico e psicológico, qual é o papel da escola e dos pais nos casos de bullying?

Pernambuco foi a primeira capital do país a ter uma legislação estadual sobre a inclusão de medidas de conscientização, prevenção, diagnose e combate ao bullying escolar no projeto pedagógico elaborado pelas escolas públicas e privadas de educação básica. A lei é a 13.995/2009 e não traz qualquer menção a punição pelos danos decorrentes do bullying por entender que o Código Civil e o Código Penal já regulam a reparação dos danos decorrentes desse tipo de ato.
Em 2015, a lei 13.185/2015 foi sancionada pela presidência da época e reforçou a ideia da conscientização da população escolar sobre a prática do bullying. E no inciso VIII do artigo 4º, a lei traz como responsabilidade das instituições de ensino:
“evitar, tanto quanto possível, a punição dos agressores, privilegiando mecanismos e instrumentos alternativos que promovam a efetiva responsabilização e a mudança de comportamento hostil”.
Em 2018, a presidência sancionou uma lei que alterou o artigo 12 da Lei de Diretrizes e Bases da educação nacional – LDB (Lei n.º 9394/1996) ampliando a responsabilidade das escolas públicas e privadas. Ou seja, com a nova redação, o artigo 12 da LDB, além da responsabilidade em promover a conscientização por meio de ações de promoção de cultura de paz, incluiu a responsabilidade das escolas em promover medidas de combate ao bullying e todas as outras formas de violência escolar.

Além dessas legislações específicas, o Brasil possui o Código Civil que traz a obrigação pela reparação civil do dano causado a outrem a partir da ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência. Ações desse tipo são consideradas atos ilícitos para nossa legislação. No âmbito penal, dependendo das ações de bullying praticadas, estas podem ser tipificadas como, injúria, calúnia, difamação, induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio, dentre outros. E na regulação do meio ambiente digital podemos encontrar respaldo no Marco Civil da Internet que nos traz a ideia de que a responsabilidade civil decorrerá da desobediência a uma ordem judicial.

A partir das legislações aqui colocadas de maneira simplificada, sem maiores explicações teóricas, as escolas públicas e privadas, assim como os administradores e as administradoras de grupos fechados de whatsapp poderão ser responsabilizados pela omissão frente as situações de bullying. Isto porque, o papel da escola vai além da expectativa quanto ao aprendizado das disciplinas curriculares como matemática, português, etc. A escola faz parte do desenvolvimento integral dos educandos e, por isso, precisa atentar-se ao fato de que aprender a conviver é um dos pilares da educação, já contemplados em documentos oficiais, e, além disso, um espaço privilegiado para a convivência com a diferença. Por acreditarmos que é na relação com a diferença que podemos nos desenvolver moralmente rumo a autonomia e que essa diferença se encontra, sobremaneira, marcada no cotidiano escolar, reconhecemos que esta instituição precisa assumir o trabalho com a formação moral de seu alunado, reconhecendo que a incidência de conflitos marcada pela relação com a diferença pode potencializar um trabalho rumo a autonomia e a superação das práticas de bullying na escola.

Neste sentido, A escola, não pode abrir mão de enfrentar o bullying ou outras formas de violência, visto ser seu papel avançar na construção de um ambiente que favoreça a qualidade do bem-estar social de todos os membros da comunidade educativa, permitindo que todos vivam de forma pacífica e solidária em seu interior, com sorte a extrapolar os muros das escolas.

Por isso, a escola necessita implementar ações de controle e enfrentamento do bullying, mas, também, ações de prevenção que reconheçam que as ações de combate a violência escolar se dão, também, por políticas que envolvam todos os estudantes e não apenas os que praticam e sofrem diretamente com o bullying escolar. Inserir os espectadores, considerados pela literatura como o “oxigênio desta violência”, é reconhecer que o combate a intimidação sistemática entre pares é obrigação de todos e que a dignidade de cada um deve ser defendida por qualquer cidadão.

Nesse sentido se reconhece que o papel de um moderador de grupo ultrapassa a ideia de delimitar regras quanto a utilização técnica daquele meio, mas também se vincula a moderação do texto ali inserido que pode ocasionar constrangimento gerando algum dano a um dos seus componentes. Aqui não estamos dizendo que os moderadores e moderadoras de grupos de whatsapp terão que realizar um filtro sobre o conteúdo ali inserido, mas se posicionar (mesmo sendo contra) sobre as questões jurídicas decorrente de danos gerados a partir de atitudes de violência sistemática realizada de modo intencional e repetitivos entre pares (relações de desigualdade de poder) que causem danos, certas vezes irreparáveis ou de difícil reparação: Bullying.

Assim, compreendendo o bullying como uma violência que atinge a dignidade das pessoas sobretudo perante seus pares, reconhecemos que todos possuem papéis ativos em seu enfrentamento. Do ponto de vista pedagógico e psicológico as escolas precisam garantir em seus ambientes espaços nos quais, na convivência com a diferença, crianças e adolescentes consigam se desenvolver moralmente, incorporando em suas personalidades valores tais como a justiça e a solidariedade. Já os pais e familiares precisam interditar comportamentos individualista em seus filhos, favorecendo relações nas quais a empatia seja um valor. Quanto mais a criança e adolescente puderem experimentar, no seio familiar, situações nas quais o respeito seja um valor do qual não se abre mão (neste caso o respeito mútuo, ou seja, aquele no qual a criança também é respeitada), mais teremos chances de que os filhos e filhas não se envolverão nesta forma de violência como aqueles que praticam de forma ativa a ação.

Caso você esteja passando por alguma situação de bullying ou conheça alguém que esteja nessa situação, não seja omisso. Não fazer nada não te deixará fora do problema. Afinal de contas… temos que assumir a responsabilidade por nossas omissões.

Canais para denúncias anônimas:
www.denuncie.org.br

www.disque100.gov.br

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Paloma Mendes Saldanha

CEO - Diretora Executiva do PlacaMãe.Org. Doutora em Direito pela UNICAP com ênfase na aplicabilidade da inteligência artificial no Judiciário brasileiro. Mestre em Direito Processual pela UNICAP com ênfase em cybersegurança.

Catarina Gonçalves

Mãe de Tomaz, Théo e Thales, Pedagoga, Mestre e Doutora em Educação. É professora Adjunta da Universidade Federal de Pernambuco, onde tem pesquisado sobre Desenvolvimento humano, com foco no enfrentamento da violência escolar e na educação parental.

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